Em um mundo onde a complexidade dos negócios e a dinâmica familiar se entrelaçam, a gestão do patrimônio e o planejamento da sucessão tornam-se temas de crescente relevância. Parafraseando Benjamin Franklin, “Viver é enfrentar um problema atrás do outro. O modo como você o encara é que faz a diferença.” Essa máxima se aplica perfeitamente ao planejamento sucessório, onde a antecipação e a organização são cruciais para garantir uma transição patrimonial suave e eficiente.
Frequentemente, filhos buscam junto aos seus pais a partilha ou reserva de um determinado patrimônio ainda em vida, seja para iniciar sua independência financeira, seja por discordar da gestão parental. Paralelamente, os pais, donos de seu patrimônio e conhecedores de seus filhos, podem desejar uma divisão patrimonial diferenciada, favorecendo um herdeiro em detrimento de outro, ou até mesmo um terceiro não herdeiro, como um neto ou amigo. Para atender a essas necessidades e desejos, a legislação brasileira oferece duas ferramentas principais: a doação (em vida) e o testamento (post mortem).
A legislação brasileira, diferentemente de outros países, impõe limites à autonomia patrimonial. Só é possível testar 100% do patrimônio na ausência de herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e esposa(o)), e a doação de bens em vida deve preservar meios suficientes para a subsistência do doador. Além disso, a doação não pode exceder a reserva da legítima aos herdeiros necessários, que corresponde a 50% do patrimônio no momento do ato. Esse princípio da indisponibilidade ou reserva da legítima visa proteger os interesses dos herdeiros necessários, garantindo-lhes uma parcela mínima da herança.
A doação, em essência, é um contrato bilateral e voluntário, onde o doador livremente decide transferir parte de seu patrimônio ao donatário. Se o bem doado for um imóvel, a lei exige escritura pública, sob pena de nulidade; para bens móveis, um instrumento particular é suficiente, e bens de pequeno valor podem ser doados verbalmente, concretizando-se com a entrega do bem (tradição).
No contrato de doação, o doador pode estipular diversas cláusulas para proteger seus interesses e garantir que sua vontade seja cumprida. Cláusulas como a de reversão, que garante o retorno do bem ao doador caso o donatário faleça antes dele; e a de usufruto, que reserva ao doador os frutos e rendimentos do bem doado, são exemplos de precauções que podem ser tomadas. Além disso, cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade podem ser inseridas para proteger o patrimônio doado de terceiros e garantir que ele permaneça na família.
A doação a herdeiros necessários em antecipação de legítima, sem a cláusula de dispensa de colação, exige que o herdeiro apresente o bem recebido no processo de inventário para igualar o direito dos demais herdeiros. O novo Código de Processo Civil de 2015 estabelece que, nesses casos, o valor do bem será o aferido na data da abertura da sucessão, o que pode gerar um problema se o bem tiver valorizado significativamente.
Se a doação não for a opção ideal, o testamento surge como uma alternativa para transferir bens post mortem a herdeiros ou terceiros. Diferentemente da doação, o testamento é um ato personalíssimo e unilateral, realizado por pessoa capaz, acima de 16 anos, sem limite de idade. O testador pode fazer quantos testamentos desejar, revogando ou complementando os anteriores, com única exceção em caso de reconhecimento de filho biológico ou afetivo, que é irrevogável.
Uma diferença crucial entre doação e testamento é que o testamento não impede a alienação do bem nele inserido. Se o bem for vendido, o testamento perde o objeto em relação a ele, mantendo sua validade quanto às demais disposições.
Em que pese o ordenamento jurídico brasileiro prever seis tipos de testamento, o ato em si é bastante simples, bastando para validade jurídica do mesmo o cumprimento obrigatório de todos os requisitos legais exigidos pelo tipo escolhido. A formalidade destina-se a assegurar a fidedignidade das declarações do testador, especialmente em razão do fato de que o testamento só virá a ser cumprido após a morte do testador.
A escolha entre testamento e doação em vida não segue uma fórmula predefinida. Cada família, cada negócio e cada patrimônio são únicos, exigindo uma análise individualizada para determinar a melhor estratégia. Nesse contexto, o planejamento sucessório e patrimonial surge como uma abordagem abrangente que visa organizar a transferência de bens e direitos de uma geração para outra, minimizando conflitos e custos tributários.
O planejamento sucessório e patrimonial além dos objetivos do titular, envolve a análise da estrutura familiar, dos ativos e passivos do patrimônio, buscando otimizar a sucessão por meio de instrumentos como a doação, o testamento, a criação de holdings familiares e a elaboração de pactos antenupciais, entre outros. Essa abordagem permite uma gestão mais eficiente do patrimônio, garantindo a segurança financeira da família e a continuidade dos negócios.
Diante da complexidade das questões envolvidas, é fundamental buscar a orientação de um advogado especializado em planejamento sucessório e patrimonial. Esse profissional poderá analisar o caso concreto, identificar as melhores estratégias e instrumentos jurídicos, e auxiliar na implementação de um plano sucessório eficiente e personalizado, que atenda aos anseios e necessidades do titular do patrimônio e de sua família.
Em suma, a doação e o testamento são ferramentas valiosas no planejamento sucessório e patrimonial, permitindo a organização da transferência de bens e direitos de forma eficiente e segura. A escolha entre uma e outra dependerá das particularidades de cada caso, sendo essencial a orientação de um profissional especializado para garantir que a sucessão ocorra de acordo com a vontade do titular e em conformidade com a legislação vigente.
Referencias Bibliográficas:
1. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. (Código Civil). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm;
2. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. (Código Processo Civil). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm;
3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1166568-SP. Relator Min. Lázaro Guimarães. 4ª T., DJe 15/12/2017
4. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 1713098-RS. Relator Min. Nancy Andrigh. 3ª T., DJe 16/05/2019;