A possibilidade de renúncia à herança em pacto antenupcial tem sido objeto de intenso debate no meio jurídico brasileiro. Recentemente, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) trouxe nova luz sobre o tema, gerando discussões acerca dos limites da autonomia privada em relação aos direitos hereditários.
O pacto antenupcial é um instrumento jurídico que permite aos nubentes estabelecer o regime de bens que regerá o casamento. Tradicionalmente, esse documento não abordava questões sucessórias, devido à proibição do chamado “pacta corvina”, princípio jurídico que veda acordos sobre herança de pessoa viva, conforme dispõe o artigo 426 do Código Civil brasileiro.
Contudo, o acórdão proferido pelo Conselho Superior da Magistratura do TJ-SP na Apelação Cível nº 1000348-35.2024.8.26.0236 reconheceu a validade de uma cláusula em pacto antenupcial que previa a renúncia recíproca ao direito sucessório concorrencial entre os cônjuges. Esta decisão representa uma mudança significativa no entendimento jurisprudencial sobre o tema.
O relator do caso argumentou que a renúncia ao direito sucessório concorrencial não se confunde com o pacto corvina, pois não envolve a disposição sobre o patrimônio de pessoa viva, mas apenas a abstenção do cônjuge de participar da sucessão em concorrência com herdeiros necessários. Essa interpretação alinha-se com a tendência de valorizar a autonomia privada nas relações familiares e sucessórias.
É importante ressaltar que essa decisão contrasta com o entendimento anterior do mesmo tribunal. Em 2023, na Apelação Cível nº 1022765-36.2023.8.26.0100, o TJ-SP havia negado provimento a um recurso semelhante, mantendo a proibição de cláusulas de renúncia sucessória em pactos antenupciais.
A tendência de aceitação dessa prática alinha-se com a experiência internacional. Países como Alemanha, Suíça e França, a renúncia antecipada à herança é permitida em determinadas circunstâncias, demonstrando uma maior flexibilidade no planejamento sucessório.
No Brasil, a expectativa é que essa questão seja definitivamente pacificada com a reforma do Código Civil. O anteprojeto encaminhado ao Senado Federal prevê a inclusão do § 2º no artigo 426, que expressamente permitiria aos nubentes renunciar reciprocamente à condição de herdeiro do outro cônjuge por meio de pacto antenupcial.
É crucial ressaltar que a renúncia à herança em pacto antenupcial não impede que o cônjuge renunciante seja posteriormente contemplado por testamento ou por doação em vida. Isso proporciona flexibilidade adicional ao planejamento, permitindo que os fundadores da holding ajustem a distribuição patrimonial conforme as circunstâncias familiares e empresariais evoluem.
Para as holdings familiares, a validação da renúncia antecipada à herança representa uma oportunidade de aprimorar suas estratégias de governança e sucessão. Permite, por exemplo, que os fundadores estabeleçam critérios claros para a participação dos herdeiros na gestão e propriedade da empresa, alinhando os interesses familiares com os objetivos de longo prazo do negócio.
Contudo, é fundamental que a implementação dessa ferramenta seja realizada com cautela e assessoria jurídica especializada. A renúncia à herança é um ato irrevogável e suas implicações devem ser cuidadosamente consideradas no contexto do planejamento sucessório global da família e da holding.
Em conclusão, a recente decisão do TJ-SP, ao reconhecer a validade da renúncia à herança em pacto antenupcial, abre caminho para um planejamento sucessório mais sofisticado e eficaz no Brasil. Para holdings familiares e famílias empresárias, essa ferramenta oferece uma oportunidade valiosa de estruturar a transmissão patrimonial de forma alinhada com seus objetivos de longo prazo, contribuindo para a preservação e crescimento do legado familiar através das gerações.
Referencias Bibliográficas:
1. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. (Código Civil). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm;
2. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2022;
3. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1000348-35.2024.8.26.0236. Relator: Des. Francisco Loureiro (Corregedor Geral). Julgado em 01/10/2024;
4. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1022765-36.2023.8.26.0100. Relator Des. Fernando Antônio Torres Garcia. Julgado em 11/10/2023.